terça-feira, 25 de junho de 2013

Um Dedinho de Prosa

 É procedimento padrão entre amigos a tiração de sarro quando alguém da turma corta o cabelo. Assim como as mulheres ficam bravas quando não se nota aqueles 0,3mm de corte na ponta, uma ida ao barbeiro em que ninguém olha e fala “que bosta é esta que fizeram na sua cabeça?” é quase desapontador, para não dizer frustrante.

Eis que no batido comentário junto a um grande amigo ele revela:

- Sabe que eu também acho? Eu nunca fico satisfeito com o jeito que o cara corta meu cabelo.

- Mas então por que você não muda? – perguntamos em uníssimo...

- Sei lá, é porque faz 20 anos que corto com o mesmo cara... não sei, ele já está meio velhinho, quem me levou lá foi meu pai, temos uma relação... acho que ele vai ficar chateado se eu reclamar, por isto eu sempre digo que ficou bom.

As leitoras devem estar achando um absurdo uma declaração como esta, mas no universo masculino é perfeitamente normal quando o assunto é barbeiro (cabeleireiro para homem é coisa que inventaram há pouco tempo, ok?). Quase tive um treco quando o “cara que cagava na minha cabeça” ficou doente e tive que procurar outro.

Mas minha relação mais masoquista é com meu dentista.

Eu o conheço há uns 20 anos também, também apresentado pelos meus pais. Na época, eu e meus dois irmãos destruíamos o seu consultório enquanto ele fazia os intermináveis canais, implantes e toda a sorte de procedimentos neles. Acho que quando minha mãe me levou lá pela primeira vez para uma consulta só minha, ele iniciou sua vingança contra os anos de bagunça.

A começar pela frieza no trato. Mesmo após tanto tempo, o diálogo com que ele me recebe é sempre igual:

- Bom dia doutor.
- Bom dia Thiago. Alguma coisa especifica, alguma dor?
- Não, apenas rotina.
- Seu pai e sua mãe estão bem?
- Sim.
- Seu pai continua trabalhando no mesmo lugar?
- Sim, continua.
- Tenho que visita-lo. Pode se sentar na cadeira que já vamos começar.

E para por aí. Sempre. Assim como é sempre igual o fato de eu sair das consultas sentindo bastante dor nos dentes, boca e até gengivas. Até a “limpeza” é complicada. Nunca testei outro profissional da área para efeito de comparação, mas em conversas com minha esposa – expert no assunto – ela sempre acha estranho eu me queixar muito mais do que o normal em procedimentos relativamente simples.

Já tentei reclamar mas é inútil. Ele me olha como se fosse minha a culpa pela coisa estar doendo.

Por alguma razão estranha entretanto, não consigo me desprender. De alguma forma acho que ele é “firmeza”. Afinal, após a primeira consulta lá atrás, com exceção das extrações de siso e as duas obturações (há 15 anos!), nunca mais tive que fazer nenhuma intervenção. Penso que seus procedimentos – e a dor – têm um pouco a ver com a qualidade do serviço. E que no final, por ser uma vez por ano, acaba não sendo assim tão terrível.

Curiosamente a consulta de hoje foi diferente. Marquei de refazer uma das obturações (a que têm uns 15 anos) e no momento em que cheguei ao consultório ele me recomendou adiar o procedimento. Como ele estaria viajando na semana seguinte, me recomendou remarcar a consulta para quando estivesse de volta a São Paulo, apenas por segurança, em caso de eu sentir algum desconforto no meio tempo.

Eu disse que tudo bem – e eu era louco de reclamar? – e perguntei por educação, já saindo do consultório, se a viagem era a trabalho ou férias. Foi aí que ele sacou:

- Vamos tomar um café.

E me pagou um café. Começou então a falar de sua viagem ao Nordeste, do projeto que está tocando com um consultório por lá, de questões familiares, do primo que ele não gosta, da cunhada que é mais chegada, filhos, sonhos, e etc e etc.

Fiquei meio embasbacado, surpreso de verdade. Tivemos mais contato numa manhã do que em 20 anos!

Não sei se a vingança por nós acabou (vou descobrir quando terminar a intervenção após sua viagem) mas de uma coisa tive absoluta certeza, a mesma que me acompanha há duas décadas: não é que o cara é firmeza mesmo?

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